Atribulações Urbanas Pouco Cosmopolitas
De vez em quando gosto de frequentar transportes públicos. Sentem-se melhor as gentes da cidade. Evita-se ter de dispender horas à procura de lugar para o carro. Poupa-se, enfim, nos nervos. Pensava eu. Mas não necessariamente. Hoje entrei num autocarro da Carris. Por milagre apenas dispunha de uma nota de vinte euros para adquirir o bilhetinho. Primeiro embate: tive de levar com o bafo soprante do motorista, aliás, pouco cheiroso e com a sua má catadura. Seguiu-se um safari pela faixa BUS enquanto me fazia o troco, operação arriscada e quiçá proibida pelo Código da Estrada BUS, que só concluiu na paragem seguinte no Saldanha. Pensava eu, sem me atrever a distrair o esforçado motorista da sua dupla epopeia: não teria sido mais seguro efectuar a delicada operação do troco parado na paragem onde entrei e não em andamento? Primeira bofetada: não se deve incomodar um motorista da Carris com trocos, a vingança pode ser pior que ir com o João Garcia aos montes do Nepal.
Na posse do miraculoso bilhete, dirigi-me à máquina de validar, antigamente chamada de obliterador. Um educado e diligente passageiro (o motorista já se havia visto livre do pesadelo...), informa-me que já não se oblitera, que já não há máquina para isso. E, de facto, não estava lá. Segunda bofetada: estou tecnoexcluído em matéria de transporte público. Governo: SOS! Não haverá uma alínea do Plano Tecnológico para casos de desadaptação precoce como o meu?
Pude, enfim, preparar-me para sair na paragem que me interessava. E aí, sim, o risco foi total: uma anafada cidadã havia acampado mesmo em frente à porta de saída e impedia qualquer esforço de evacuação. Por milagre, estou bem, encontro-me já em casa e de boa saúde.
Jorge Ferreira
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