quarta-feira, novembro 15, 2006

O Rei das Rãs

TODA A GENTE SABE que, entre as doenças mais corrosivas para a Democracia, se conta a proliferação das famigeradas Leis-da-Treta (aquelas disposições que ninguém cumpre nem faz cumprir), mas o certo é que são poucos os que dão mostras de querer combater esse flagelo - a começar pelos que são pagos para isso.

Aliás, já no Séc. VI A.C. Esopo nos contava o que sucedeu quando, um belo dia, as rãs pediram a Zeus que lhes desse um rei. Zeus, não as levando a sério, atirou-lhes um toro que, caindo com estrondo no charco, as amedrontou. «É o novo rei que chega!» - pensaram as pobres tontas. No entanto, ao fim de algum tempo, vendo que nada sucedia, perderam o medo e o respeito ao cepo... e acabaram por se sentar em cima dele

A fábula ainda continua, mas esta parte é usada por Cervantes, que a coloca na boca de D. Quixote: o Grande Cavaleiro prometera a Sancho Pança uma ilha para governar e, numa prédica recheada de bons conselhos, recomenda-lhe que, quando fizer leis, tenha o especial cuidado de as fazer cumprir.

Vem tudo isto a propósito, como se percebe, do facto de sermos mimoseados, dia-sim-dia-não, com algumas dessas Leis-da-Treta, como as que prevêem terríveis multas para quem não limpe as matas, estacione os carros nos passeios, deixe colchões e frigoríficos na berma da estrada, construa casas de férias em zonas de domínio público, atravesse as ruas fora das passadeiras, ornamente a fachada da casa com marquises-pirata, deixe os excrementos do cão na via-pública, faça descargas poluentes em ribeiras - e coisas assim, com destaque para a recente invenção de coimas milionárias para quem tome banho em praias com bandeira vermelha.

Reza a experiência, porém, que não há nada a fazer.

Na melhor das hipóteses, de vez em quando o legislador acorda do seu torpor, olha em redor, e descobre, triste e espantado, que ninguém liga nada ao que decidiu. Então, boceja, espreguiça-se, multiplica o valor das multas por dez ou vinte e, continuando convencido que é muito útil à Sociedade, torna a bocejar... e vira-se para o lado que lhe dá melhor dormir.
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C. Medina Ribeiro


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